A identificação precoce da perturbação do espectro do autismo (PEA) é essencial para proporcionar às crianças intervenções especializadas de forma otimizar os resultados a longo prazo.
Apesar dos esforços para aumentar a deteção dos sinais precoces da PEA e de alguma evidência para, tendencialmente, se diagnosticar crianças cada vez mais pequenas, vários estudos indicam que a idade média ao diagnóstico permanece nos 4-5 anos. Dado que os pais destas crianças geralmente manifestam preocupações antes dos 18-24 meses de idade, é fundamental que se encurte a angustiante “odisseia diagnóstica” que as famílias experienciam e, consequentemente, se maximize as oportunidades das crianças beneficiarem de intervenções intensivas precoces.
Tem havido importantes avanços no campo da investigação em torno do desenvolvimento precoce das PEA. No sentido de saber o estado da arte nesta matéria, um painel multidisciplinar de clínicos e investigadores especialistas em PEA e perturbações do neurodesenvolvimento (Zwaigenbaum L. et al.) completaram uma revisão da literatura e chegaram a um consenso baseado na evidência atual para responder à seguinte pergunta: “Quais são os primeiros sinais e sintomas de PEA em crianças ≤24 meses de idade que podem ser usados para identificação precoce desta perturbação?”. A investigação foi concluída em outubro de 2010 e atualizada posteriormente em dezembro de 2013.
As conclusões da revisão foram resumidas em afirmações que refletem o conhecimento atual em relação aos sinais precoces da PEA.
- A evidência revela uma considerável heterogeneidade na apresentação e história natural das manifestações clínicas associadas à PEA.
Dada a enorme diversidade clínica observada nos indivíduos com PEA ao longo da vida, não surpreende que as manifestações precoces e a evolução variem também. Algumas crianças são descritas como apresentando diferentes comportamentos (por exemplo, na reatividade a estímulos e interesse social) desde os primeiros meses de vida, outras apresentam atraso da linguagem no 2º ano de vida, e outras ainda são descritas como apresentando estagnação ou perda de aquisições após um período de aparente desenvolvimento típico até o 2º ano de vida.
- Há evidência de que os níveis reduzidos de atenção social e comunicação social, bem como o excessivo comportamento repetitivo com os objetos, constituem marcadores precoces de PEA entre aos 12 e os 24 meses de idade. Outros marcadores potenciais são os movimentos corporais anormais e a desregulação comportamental.
Os comportamentos de atenção social e comunicação social indicativos de PEA incluem: fraca resposta ao nome, fraca atenção visual para os estímulos sociais e uso pouco frequente da atenção conjunta e gestos comunicativos.
A fraca resposta ao nome é frequentemente identificada pelos pais das crianças com PEA, constituindo uma das suas primeiras preocupações. Este sinal tem sido identificado em vários estudos prospetivos em lactentes de risco como um robusto marcador precoce do diagnóstico. Alguma evidência sugere que a reduzida resposta ao nome pode diferenciar as crianças com o diagnóstico posterior de PEA, não só daquelas com desenvolvimento típico ou como também das crianças com outras perturbações do neurodesenvolvimento.
A fraca atenção visual para os estímulos sociais é demonstrada pela tecnologia de “eye-tracking” que mede de forma rigorosa o ponto do olhar com <1 grau de erro. Os estudos em crianças pequenas com PEA revelam reduzida atenção aos cenários sociais mesmo com uma pista diádica explícita (idades 13-25 meses), e propensão para examinar visualmente formas geométricas em vez de imagens de crianças (idades 14-42 meses).
A atenção conjunta refere-se ao desenvolvimento de competências específicas que permitem partilhar a atenção com as outras pessoas através do apontar, mostrar e coordenar o olhar entre os objetos e as pessoas. Alguns estudos que comparam grupos de lactentes que receberam mais tarde um diagnóstico de PEA e outros que não receberam este diagnóstico reportaram diferenças tanto em responder à atenção conjunta como em iniciar a atenção conjunta. Níveis reduzidos desta competência foram reportados nos estudos a partir dos 14 meses de idade. Outros estudos avaliaram o uso dos gestos de forma mais generalizada; durante o 2º ano de vida, uma menor frequência do uso dos gestos diferenciou as crianças com PEA daquelas com desenvolvimento típico e das crianças outras perturbações do neurodesenvolvimento.
Já aos 12 meses de idade, lactentes diagnosticados mais tarde com PEA demonstraram manifestar uso atípico dos objetos (como rodar, alinhar, girar) e exploração visual peculiar dos mesmos, comparados com os lactentes diagnosticados mais tarde com outras perturbações do neurodesenvolvimento ou sem perturbações do neurodesenvolvimento.
No domínio dos movimentos corporais e desenvolvimento motor, a evidência está menos estabelecida. No entanto, a investigação sugere que os movimentos corporais atípicos, como abanar as mãos, agitar os dedos, movimentos atípicos dos membros durante a marcha, podem emergir como marcadores precoces importantes. Estudos prospetivos em crianças com diagnóstico posterior de PEA demonstraram maior frequência e duração dos movimentos repetitivos estereotipados comparativamente às crianças com desenvolvimento típico.
Há um interesse crescente em torno da hipótese de que alterações no desenvolvimento motor possam aparecer muito precocemente e, possivelmente, preceder os marcadores sociais na PEA. Atrasos nas aquisições motoras grosseiras e finas têm sido reportados em lactentes de alto risco (irmãos de crianças com PEA), e a investigação mais recente sugeriu o aparecimento muito precoce de alterações no controlo motor (por exemplo, queda da cabeça para trás aos 6 meses de idade quando o lactente é puxado para sentar e alterações da motricidade fina aos 6 meses de idade). Apesar de os estudos sugerirem que, em alguns casos, o atraso motor possa ser preditivo da PEA, os marcadores definitivos nesta área não estão ainda bem demonstrados. Certamente, as crianças com desenvolvimento motor atípico deverão ser monitorizadas de forma apertada, não só para a PEA como também para outras perturbações do neurodesenvolvimento.
Tem sido reportado que, até aos 24 meses de idade, perfis temperamentais podem distinguir os irmãos de alto risco com um diagnóstico futuro de PEA dos irmãos de alto risco que não receberam este diagnóstico. Esses perfis são por exemplo a baixa sensibilidade às recompensas sociais, o negativismo e a dificuldade em controlar a atenção e o comportamento. Pequenos estudos encontraram diferenças temperamentais nas crianças com PEA tão precocemente quanto aos 6 meses de idade. Mais e maiores estudos nesta matéria são necessários para comprovar estes achados.
- Marcadores comportamentais fiáveis de PEA em crianças <12 meses não foram ainda consistentemente identificados.
Muitos fatores limitam as investigações dos marcadores da PEA nesta idade, nomeadamente: (1) as consideráveis diferenças individuais e variabilidade no desenvolvimento cognitivo e social dos lactentes; (2) as limitações no desenho dos estudos; (3) a possibilidade de que os sintomas comportamentais usados para o diagnóstico estejam associados a circuitos neuronais que se desenvolvem após os 12 meses de idade; (4) a possibilidade de que os sintomas precoces e prodrómicos no momento do diagnóstico sejam diferentes dos comportamentos observados posteriormente no desenvolvimento.
- As trajetórias desenvolvimentais podem também ser úteis como indicadores de risco para a PEA.
A avaliação da evolução temporal de determinados comportamentos ou padrões de desenvolvimento será mais sensível do que uma avaliação num único momento. Deste modo, há evidência de que tanto o desenvolvimento precoce (por exemplo, linguagem e cognição não verbal) como os comportamentos comunicacionais sociais seguem trajetórias atípicas nas crianças com PEA.
Estudos prospetivos reportaram trajetórias atípicas nas competências verbais e não-verbais, com aparente desenvolvimento típico durante o primeiro ano de vida seguido de um declínio nos resultados de testes padronizados correspondendo à desaceleração na aquisição de novas competências durante o segundo ano de vida.
A trajetória atípica das competências de comunicação social na PEA inclui a diminuição do contacto ocular, dos sorrisos sociais e das vocalizações entre os 6-12 até aos 18 meses.
Portanto, a monitorização temporal do neurodesenvolvimento pode revelar-se importante na avaliação do risco de PEA.
Comentários finais
Os investigadores ainda não encontraram um sinal comportamental isolado ou uma única trajetória neurodesenvolvimental preditivos de todos os diagnósticos de PEA. Dada a heterogeneidade da expressão clínica da PEA, é pouco provável que um único sinal comportamental seja universalmente encontrado em todas as crianças com a perturbação ou que sirva de marcador definidor de um diagnóstico futuro de PEA. Uma investigação futura poderá melhorar a previsão do risco de PEA através da análise de combinações de sintomas que representem índices de risco cumulativo.
Bibliografia:
Zwaigenbaum, L., et al. (2015). “Early Identification of Autism Spectrum Disorder: Recommendations for Practice and Research.” Pediatrics 136 Suppl 1: S10-40.
Ana Cristina Aveiro (julho de 2016)
Assistente Hospitalar de Pediatria – Hospital Central do Funchal