Guidelines
O processo de produção de recomendações da Rede DIFERENÇAS para a prática clínica integra um período de discussão durante o qual as sociedades científicas, peritos das diferentes áreas e a sociedade civil poderão manifestar as suas posições relativas ao documento colocado sobre escrutínio público, sendo esses contributos posteriormente analisados e, merecendo a concordância dos consultores do projecto, incluídos no texto das referidas recomendações.
Lisboa, 6 de Junho de 2016.
Recomendações de Base Empírica para a Prática Clínica Relacionada com o Acompanhamento de Pessoas com Perturbação do Desenvolvimento Intelectual
Tão antiga quanto a própria humanidade, a Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), designação preferível às anteriores terminologias de Atraso Mental, Retardo Mental ou de Deficiência Mental, é, de entre todas as Perturbações do Neurodesenvolvimento, a mais grave, a de mais difícil diagnóstico (sobretudo nas situações estado-limite), a que determina uma intervenção mais complexa e a de pior prognóstico. Uma vez que se trata de uma patologia que tem origem e afecta obrigatoriamente o Sistema Nervoso Central, a formulação do diagnóstico de PDI só poderá ser feita por um médico, idealmente com treino na área do neurodesenvolvimento. A PDI engloba um largo espectro de funcionamento, de capacidades e limitações, e de necessidades de apoio.
De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association, Maio de 2013), a Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI) é, basicamente, uma síndrome neurodesenvolvimental (em medicina, síndrome corresponde a um conjunto coerente de sintomas e sinais de etiologias diversas), com início durante o período de desenvolvimento (ou seja, de uma forma convencional, do nascimento aos dezoito anos), e que inclui um défice cognitivo (ou seja, um défice no funcionamento intelectual) associado a um défice no funcionamento/comportamento adaptativo, ou seja, na autonomia do sujeito. Os défices no comportamento adaptativo, relacionados com o Défice Cognitivo, afectam, em um ou mais ambientes, um ou mais dos três domínios seguintes: o domínio social; o domínio conceptual; e o domínio do funcionamento prático. Para se poder formular o diagnóstico de PDI, três critérios têm de estar presentes (ver caixa). De um ponto de vista nosológico, foram assumidos os critérios classificativos incluídos no DSM-5, no CIM-10 (Organização Mundial de Saúde, 1994), bem como as ideias e os conceitos propostos pela American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD, 2010), razão por que se recorreu, com frequência, à transcrição de textos ou parte destes constantes nas mencionadas abordagens classificativas.
Relatores: Miguel Palha, David Casimiro de Andrade, Luísa Cotrim, Susana Martins, Ana Fritz
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Saúde oral em crianças portadoras de problemas de neurodesenvolvimento
As crianças portadoras de alterações do neurodesenvolvimento são, no âmbito da Medicina Dentária, classificadas como pacientes com necessidades especiais de atendimento (vulgo pacientes especiais) pois requerem por um período ou durante toda a vida cuidados e abordagens específicas. Segundo a American Academy of Pediatric Dentistry (AAPD) pacientes com necessidades de cuidados de saúde especiais são definidos como aqueles que possuem incapacidades físicas, de desenvolvimento mental, sensorial, comportamental, cognitivo ou emocional ou uma condição limitante que requer controlo médico, intervenção de serviços de saúde e/ou uso de serviços ou programas especializados. A condição pode ser adquirida ou de desenvolvimento e pode causar limitações nas ações de cuidados pessoais ou mesmo limitações substanciais em atividades cruciais rotineiras1.A atenção à saúde de pacientes com necessidades especiais está além da rotina e requer conhecimentos especializados e avançados2.A especificidade da atuação da equipa de Medicina Dentária é variável em função da patologia apresentada pela criança. O espetro de ação do Médico Dentista no caso dos pacientes especiais varia desde alteração aos protocolos de prevenção até intervenções sob anestesia geral.
Segundo a AAPD, as doenças orais podem ter um impacto na qualidade de vida dos pacientes com perturbação do neurodesenvolvimento, pelo facto de possuírem condições médicas limitantes, estando mais vulneráveis aos seus efeitos, como no caso de um sistema imunitário comprometido ou de doenças cardíacas. Por outro lado, podem estar mais propensas a problemas de saúde oral pelas suas deficiências físicas, mentais ou de desenvolvimento as impedirem de assumir a responsabilidade pela própria higienização oral ou de colaborarem na mesma1,3.
Esta orientação é destinada a educar os prestadores de cuidados de saúde, os pais e as organizações auxiliares de apoio sobre o gerenciamento dos cuidados com a saúde oral desejáveis para os indivíduos com necessidades especiais, não pretendendo fornecer recomendações de tratamento específico para qualquer condição oral.
É objetivo deste capítulo demonstrar as especificidades no que diz respeito à saúde oral das várias perturbações do neurodesenvolvimento e informar sobre os protocolos de atuação adequados a cada caso.
Autores: Ana Paula Norton, Cristina Areias, Viviana Macho, Paula Macedo, Miguel Palha, David Casimiro de Andrade
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Perturbação de défice de atenção / Hiperatividade em idade pediátrica
A perturbação de défice de atenção / hiperatividade (PDAH), tradução que nos parece mais precisa do original americano do DSM-5 attention deficit / hiperactivity disorder, é uma perturbação do neurodesenvolvimento de elevada prevalência, consituindo o principal motivo de referenciação a consultas de neurodesenvolvimento ou de saúde mental infantil e juvenil.
Indivíduos com esta perturbação apresentam manifestações de défice de atenção, hiperatividade e/ou impulsividade, por um período prolongado de tempo, com início antes dos 12 anos de idade, em múltiplos contextos e interferindo de forma significativa com o seu desempenho académico, social e/ou laboral. Tais sintomas não são melhor explicados por outras perturbações do neurodesenvolvimento ou psiquiátricas.
Descrições de pessoas com esta perturbação estão disponíveis desde há longa data. Cerca de 1613, William Shakespeare, na peça “Henrique VIII”, cria uma personagem que parecia ter problemas de atenção. Em 1775, Melchior Adam Weikard, um proeminente médico alemão, na sua obra Der Philosophische Arzt, fez aquela que é considerada a primeira descrição de uma pessoa com PDAH na literatura médica. Em 1798, Sir Alexander Crichton, descreve o que ele chamou de “irrequietude mental”. Em 1844, Heinrich Hoffmann escreve um interessante poema, Zappelphilip, sobre uma cena da vida familiar de uma criança com provável PDAH. Em 1902, Sir George Frederick Still, considerou o quadro clássico de PDAH como um “defeito da consciência moral” de algumas crianças. Em 1917, quadros semelhantes foram considerados como “perturbação do comportamento pós-encefalítica”. Em 1932 foi introduizda a terminologia “doença hipercinética da infância”. Em 1937, Charles Bradley, quase por acidente, descobriu o efeito dos estimulantes na PDAH, nomeadamente da benzedrina. Em 1944, foi introduzido o metilfenidato, por Leandro Panizzon. Curiosamente, o primeiro DSM (AAP) não contemplava esta perturbação. Já o segundo, DSM-II, em 1968, introduziu a terminologia “Reacção hipercinética da infância”, substituindo o conceito de “Disfunção cerebral mínima”, anteriormente existente. Apenas em 1970, com os trabalhos de Virginia Douglas e colaboradores, se começou a colocar ênfase no défice de atenção e dificuldade de controlo de impulsos, em lugar da hiperactividade, na explicação da maior parte dos défices observáveis nesta perturbação. Em 1980, a importância desta corrente tornou-se bem evidente no DSM-III, ao reclassificar a perturbação como perturbação de défice de atenção, que se apresentaria com ou sem hiperactividade associada. Mas esta conceptualização colocava alguns problemas de diagnóstico diferencial, análise e valorização dos resultados da intervenção e por não explicar toda a fenomenologia comportamental da perturbação. Assim, no DSM-III-R, em 1987, surge a nomenclatura perturbação de défice de atenção e hiperactividade, semelhante à que ainda hoje é usada no DSM-5 (2013).