Posições Pessoais
O Neurodesenvolvimento e, de uma forma muito particular, as Perturbações do Neurodesenvolvimento, independentemente da taxinomia proposta para as classificar e estruturar de um ponto de vista nosológico e nosográfico, correspondem a um ramo do saber que intersecta, entre outros, a Medicina – particularmente os clínicos especializados em Pediatria do Neurodesenvolvimento, em Neuropediatria, em Pedo-Psiquiatria, em Psiquiatria e em Medicina Familiar -, a Psicologia – mormente os profissionais especializados em Psicologia Educacional e em Psicologia Clínica -, a Educação Especial e Reabilitação, a Terapia da Fala, a Terapia Ocupacional, a Fisioterapia, o Serviço Social, a Educação, a Formação Profissional e, genericamente, as Ciências Sociais.
Se é certo que, tendencialmente, os Pediatras do Neurodesenvolvimento, mercê de uma formação eclética única, fortemente ligada à Pediatria Geral e marcada pela capacidade para protagonizarem uma adequada análise fenomenológica, numa perspectiva neurodesenvolvimental, das mais diversas manifestações das Perturbações do Neurodesenvolvimento, serão, na área da Medicina, os interlocutores melhor preparados para o desempenho de um papel activo na delineação de um guião de intervenção, (constituindo-se como especialistas insubstituíveis na abordagem da patologia deste fôro, tal como ela vem plasmada no DSM-5, no CIM-10 ou, até, na proposta em curso veiculada pela versão Beta draft do CIM-11), nas outras especialidades não médicas fenómeno idêntico parece não estar a ocorrer.
Com efeito, no tempo presente, determinada criança com uma Perturbação do Neurodesenvolvimento, por exemplo, com uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (indiscutivelmente a mais grave e de pior prognóstico de todas as patologias do neurodesenvolvimento), devido à formação muito fragmentada e não raras vezes estanque dos técnicos, poderá necessitar dos serviços, entre outros e em concomitância, de um Psicólogo Educacional, de um Terapeuta da Fala, de um Fisioterapeuta, de um Terapeuta Ocupacional, de um Psicólogo Clínico, de um Técnico de Educação Especial e Reabilitação e de um Assistente Social. A explicação é simples: uma alteração comportamental significativa será melhor abordada por um Psicólogo Clínico; uma perturbação grave da linguagem será melhor caracterizada por um Terapeuta da Fala …
Esta opção, para além de muito dispendiosa e de difícil articulação inter-profissional, apresenta uma eficácia, no mínimo, duvidosa. Hoje, os técnicos que trabalham no domínio das Perturbações do Neurodesenvolvimento, independentemente da sua formação de base, terão de exibir a capacidade de dominar todas as áreas e sub-áreas do neurodesenvolvimento, quer no processo de avaliação, quer no processo de intervenção, desde a intervenção precoce, ao ensino da leitura, às metodologias específicas para as Perturbações do Espectro do Autismo, ao treino das técnicas e métodos de estudo, à intervenção linguística, à aplicação de metodologias de comunicação aumentativa ou alternativa, ao treino de capacidades matemáticas, à intervenção comportamental, à terapia familiar, ao treino da autonomia, à formação profissional e emprego, … Convém, ainda, não esquecer que, em Neurodesenvolvimento, a co-morbilidade (e a complexidade) é a regra, o que, amiúde, complica o processo de intervenção.
Pelas razões apontadas, está na altura de as Universidades (no presente, possuem uma elite notável neste ramo do conhecimento), oferecerem um novo curso, transversal a muitos dos actualmente existentes: Técnicos do Neurodesenvolvimento (ou outra designação similar…). Neste novo curso, os estudantes, no período da licenciatura e do mestrado, aprenderiam, tão-somente, as metodologias de avaliação e de intervenção disponíveis em cada momento para as Perturbações do Neurodesenvolvimento, sem quaisquer excepções, e, por conseguinte, não perderiam tempo e energia a estudar matérias desconexas com o objecto desta área do saber. Independentemente de outras abordagens e modelos serem perfeitamente exequíveis e muito bem-vindos, tenho razões para acreditar que a primeira Universidade a criar um curso com este formato se constituirá numa referência na matéria.
O repto está lançado.
Miguel Palha Pediatra Director Clínico do Centro de Desenvolvimento DIFERENÇAS.