Reter ou não Reter?

Quando nos debruçamos sobre a questão da retenção dos discentes no mesmo ano de escolaridade, o primeiro aspeto a refletir é se aquela se constitui como um problema na realidade portuguesa.

Começando por aí, o que constatamos é que anualmente é possível quantificar mais de 150.000 alunos que ficam retidos no mesmo ano de escolaridade (CNE, 2015). Se confrontarmos a nossa realidade com a de outros países podemos concluir que este é um número muito elevado.

De facto, de acordo com os dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) (2012), cerca de 35% dos jovens portugueses com 15 anos tinham já sido retidos pelo menos uma vez, sendo que a média registada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) era de apenas 13%. Mais ainda, em Portugal, mais de 7,5% dos jovens têm mais de uma retenção no seu percurso.

Perante estes resultados, podemos colocar e refletir sobre questões tais como:

  • Será a retenção um sinónimo de exigência e qualidade das aprendizagens em oposição a um sistema “facilitista”?
  • Será que a retenção é uma medida aplicada “a título excecional”, conforme a legislação em vigor?
  • Será que a repetição de um ano é benéfica para a aprendizagem dos alunos?

Para realizar uma reflexão sobre as questões expostas, começamos por definir o conceito de retenção, a qual é aquilo que o cidadão comum designa por “reprovar o ano”, “não passar de ano” ou “chumbar”.

De um modo mais formal, Brophy (2006) diz-nos que a retenção se refere à situação em que um aluno se mantém no mesmo nível de ensino durante mais um ano, em vez de progredir para um nível superior, juntamente com os pares da sua idade.

De acordo com o Ministério da Educação (2008, in Rebelo, 2009, p. 27), o termo retenção refere-se à “percentagem de efectivos escolares que permanecem, por razões de insucesso ou de tentativa voluntária de melhoria de qualificações, no ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos), em relação à totalidade de alunos que iniciam este mesmo ensino”.

Em síntese, Rebelo (2009) sugere que a retenção é uma medida administrativa utilizada pelos sistemas escolares de diferentes países, quando os resultados de aprendizagem, por parte de um aluno, dos programas escolares lecionados num determinado ano curricular são considerados insuficientes.

Ou seja, com base no referido atrás, podemos observar que, conceptualmente, a retenção pode surgir como uma imposição, associada ao insucesso do aluno, ou como uma opção, na qual o aluno almeja uma melhoria de resultados. No entanto, o que mais caracteriza a retenção e motiva os debates sobre a mesma, é a sua associação ao insucesso.

De facto, o Ministério da Educação e Ciência (2012, p. 3482) refere que “Caso o aluno não adquira os conhecimentos predefinidos para um ano não terminal de ciclo que, fundamentadamente, comprometam a aquisição dos conhecimentos e o desenvolvimento das capacidades definidas para um ano de escolaridade, o professor titular de turma, no 1.º ciclo, ouvido o conselho de docentes, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, pode, a título excecional, determinar a retenção do aluno no mesmo ano de escolaridade.”

Tendo em consideração a supremacia do seu caráter de imposição, bem como a elevada utilização da retenção no nosso sistema de ensino, é de fundamental importância procurar perceber o que diz a investigação relativamente à eficácia deste procedimento.

De acordo com Jimerson (2001) a retenção dos alunos não contribui para a sua melhor aprendizagem, nem para que estes alcancem os objetivos pedagógicos em anos subsequentes. Ao invés, diminui a sua autoestima, ao mesmo tempo que aumenta a probabilidade de abandono escolar por parte destes.

Reforçando esta última ideia, Jimerson, Anderson e Whipple (2002) sugerem mesmo que a retenção é um preditor significativo do abandono escolar, por parte dos alunos, no nível secundário de escolaridade.

Brophy (2006) reforça o já exposto ao referir que, para além de levar à diminuição da autoestima, a retenção também prejudica o processo de socialização, contribui para a alienação da escola, e aumenta a probabilidade de eventual abandono. Vai mais longe e, numa referência mais ecológica e abrangente, diz mesmo que a retenção cria problemas orçamentais e patrimoniais para as escolas e para os sistemas de ensino.

Ou seja, em resumo, Rebelo (2009) refere que, de acordo com a maioria dos estudos sobre os efeitos da retenção escolar, esta é apontada como sendo ineficaz do ponto de vista pedagógico, e surge mesmo como prejudicial ao desenvolvimento global dos alunos, designadamente nos domínios da aprendizagem, da personalidade e do comportamento.

Neste momento o leitor já deve ter percebido o paradoxo e a contradição que esta conjuntura coloca. De facto, por um lado, existe grande consenso entre os autores de que a repetição de anos escolares não facilita a aprendizagem, nem favorece a adaptação social, emocional e comportamental dos alunos. Mais ainda, muitos são os estudos que mostram que a retenção tem mesmo efeitos nefastos, sobretudo a longo prazo, sendo o abandono escolar o mais evidente e consensual.

Mas, por outro lado, paradoxalmente, a reprovação de alunos continua a ser uma prática corrente em muitos sistemas de ensino, no qual o português se inclui, pois estes parecem não ter ainda conseguido encontrar modalidades alternativas para resolver ou diminuir o insucesso na aprendizagem.

Então, se reter os alunos não parece ser a solução, qual será? Responder a esta questão é determinante, pois advogar o princípio da não retenção dos alunos, sem apresentar propostas alternativas de atuação, terá pouco efeito nas aprendizagens daqueles e na sua melhoria dos saberes.

Neste sentido, tendo em consideração que a questão fulcral são os alunos e as suas aprendizagens, a ideia nuclear é a de que, em oposição à reprovação, é necessário começar precocemente a promover o desenvolvimento das crianças, e continuar a fazê-lo ao longo dos anos de escolaridade.

Para tal, como sugere Rebelo (1992; 1999) e muitos outros autores, cada vez mais é necessário que quem ensina domine bem e utilize adequadamente tanto estratégias de prevenção, como de facilitação do processo de aprendizagem de todos os alunos. Deste modo, a formação inicial e contínua dos educadores e professores surge desde logo como um elemento crucial de preocupação e investimento.

De facto, é necessário que os docentes conheçam diferentes estratégias, as quais já se encontram bem organizadas e explícitas em programas de prevenção e intervenção, os quais têm sido avaliados na sua eficácia através de estudos científicos (Rebelo, 2009). Tendo por base Jimerson e colaboradores (2006), de seguida abordamos brevemente algumas das estratégias identificadas como eficazes.

  • Programas pré-escolares: Concebidos para acompanhar, supervisionar e promover o desenvolvimento de crianças com Perturbações do Desenvolvimento ou em situações de risco, estes programas facilitam a aquisição das competências necessárias para que aquelas alcancem o sucesso escolar. Em Portugal, o Projeto Integrado de Intervenção Precoce (PIIP), é um exemplo deste destes programas.
  • Programas de promoção social e de desenvolvimento académico: Programas de promoção social e de desenvolvimento académico: Partindo da noção de que o desempenho académico depende de uma diversidade de fatores, que vão mais além do cognitivo, estes programas suportam-se na ideia de que o ensino deverá ser organizado de modo a ir ao encontro das diferenças individuais dos alunos, de modo a desenvolver as suas aptidões sociais e académicas, com o objetivo de os tornar capazes de solucionar os seus conflitos.
  • Programas de escola de Verão e pós-escolares: São programas que têm como objetivo proporcionar oportunidades adicionais, de tempo e prática dos conteúdos, para além do horário normal, constituindo-se assim como ocasiões que permitem compensar dificuldades e reduzir o risco de retenção e de abandono escolar.
  • Turmas diferenciadas de alunos com diversas idades: Podendo constituir-se como alternativas às turmas normais, estas turmas permitirem uma maior flexibilidade no apoio a certos alunos. Neste caso, a progressão será realizada de acordo com o próprio ritmo dos alunos, que se suporta numa maior compreensão do estilo de aprendizagem de cada aluno por parte dos professores, os quais a ele se adaptam.
  • Programas de saúde mental para contextos escolares: Destinados a ajudar alunos que manifestem problemas de saúde mental, como são exemplo a depressão ou o distúrbio por stresse pós-traumático, e que frequentemente estão associados ao insucesso escolar. Ao serem avaliados como sendo promissores no que se refere ao desenvolvimento de competências sociais e emocionais, estes programas ajudam na redução do insucesso escolar.
  • Envolvimento parental: Tendo em consideração que as atitudes parentais a favor da educação e da escolarização dos filhos têm frequentemente um impacto positivo no sucesso académico, é fundamental que a escola estimule e promova, o mais possível, o envolvimento dos pais na educação dos filhos.
  • Programas de leitura elementar: Dado que a leitura é considerada fundamental para futuras aquisições académicas, estes programas têm como objetivo ultrapassar dificuldades na aprendizagem da leitura elementar.
  • Estratégias de instrução e avaliação: Existe uma variedade de estratégias que têm sido validadas pela investigação como sendo eficazes na facilitação do sucesso escolar, as quais poderão ser utilizadas na sala de aula. De entre estas podem ser destacadas a instrução direta, as adaptações curriculares, a aprendizagem cooperativa e a utilização de mnemónicas.
  • Modificação comportamental e cognitivo-comportamental: As estratégias de modificação do comportamento, tanto a clássica (e.g., modelação, feedback e reforço) como a cognitiva (e.g., “não responder imediatamente antes de pensar bem” e “pensar e dizer em voz alta o que se está a pensar”), visam a redução ou eliminação de comportamentos inadaptadas, fazendo com que os alunos adquiram atitudes e desenvolvam comportamentos ajustados às tarefas escolares.

Após esta breve abordagem, estamos em condições de responder às questões inicialmente formuladas.

  • Será a retenção um sinónimo de exigência e qualidade das aprendizagens em oposição a um sistema “facilitista”?

Não. Pelo contrário, a opção responsável por uma transição de alunos com um baixo rendimento escolar implica um mais elevado nível de exigência, pois pressupõe que todos os intervenientes façam um esforço acrescido no que se refere à criação de estratégias e de medidas de apoio e reforço das aprendizagens (CNE, 2015).

  • Será que a retenção é uma medida aplicada “a título excecional”, conforme a legislação em vigor?

Não. Na realidade, a retenção é utilizada com uma frequência muito superior ao que seria expectável face ao seu carácter de excecionalidade (CNE, 2015).

  • Será que a repetição de um ano é benéfica para a aprendizagem dos alunos?

Não. Existe apenas um reduzido número de autores que consideram que a retenção tem alguma influência benéfica, embora pouca, sobre o desempenho escolar e sobre o comportamento problemático desses alunos.

Em síntese, a resposta à pergunta “Reter ou não reter o discente no mesmo ano de escolaridade” é, genericamente, negativa.

De facto, confrontando o objetivo pedagógico da retenção, que é o de permitir que os alunos recuperem e voltem a estar ao nível de aprendizagem considerado aceitável para aquele ano de escolaridade, com os efeitos negativos que ela, do ponto de vista emocional e comportamental, poderá causar nos alunos, então, salvaguardando raras exceções, a retenção não parece ser uma medida aceitável, pois ao contrário de ajudar os alunos, irá prejudicar estes em termos da aprendizagem, da personalidade e do comportamento.

Mais ainda, se pensarmos bem, a retenção constitui-se como a única estratégia de redução do insucesso que o sistema educativo paga sem questionar sobre o seu efeito. Numa época em que o argumento económico é prioritário, torna-se fundamental equacionar uma melhor utilização das verbas em estratégias e em medidas de eficácia comprovada.

 

Referências Bibliográficas

Brophy, J. (2006). Grade Repetition. Paris/Brussels: The International Institute for Educational Planning (IIEP) and The International Academy of Education (IAE).

Conselho Nacional de Educação (2015). Recomendação: Retenção Escolar nos Ensinos Básico e Secundário. CNE, Lisboa.

Jimerson, S. R. (2001). Meta-analysis of grade retention research: Implications for practice in the 21st century. School Psychology Review, 30 (3), pp. 420-437.

Jimerson, S. R., Anderson, G. E., & Whipple, A. D. (2002). Winning the battle and losing the war: Examining the relation between grade retention and dropping out of high school. Psychology in the Schools, 39 (4), pp. 441- 457.

Jimerson, S., R., Fletcher, S. M. W., Graydon, K., Schnurr, B. L., Nickerson, A. B., & Kundert, D. K. (2006). Beyond grade retention and social promotion: Promoting the social and academic competence of students. Psychology in the Schools, 43 (1), pp. 85-97.

Ministério da Educação e Ciência (2012). Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho. Diário da República, 1.ª série, N.º 129. Lisboa.

OCDE (2014). PISA 2012 Results in Focus: What 15-year-olds know and what they can do with what they know. OECD Publishing, Paris.

Rebelo, J. A. S. (2009). Efeitos da retenção escolar, segundo os estudos científicos, e orientações para uma intervenção eficaz: Uma revisão. Revista Portuguesa de Pedagogia, 43 (1), pp. 27-52.

Rebelo, J. A. S. (1999). Como facilitar a aprendizagem dos alunos. O Professor, 65, pp. 11-16.

Rebelo, J. A. S. (1992). Pré-requisitos para ler e escrever. Revista Portuguesa de Pedagogia, 26, pp. 125-139.

Ana Raimundo
Psicóloga Clínica