Posições Pessoais
Ética e Psicologia Clínica
Etimiológicamente Ética significa modo de ser ou caráter. Assim, ao nível da Psicologia, a ética está direcionada para a relação com o cliente/paciente. Segundo Bricklin (2001), a ética constitui a essência do exercício da Psicologia, como tal é fundamental que caminhem lado a lado. A construção de um código deontológico e definição dos princípios éticos adaptados à realidade Portuguesa tem sido objeto de estudo nos últimos anos, principalmente com a formação da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Trata-se, portanto, de um conjunto de regras pelo qual todos os Psicólogos devem seguir de forma a contribuir para a melhoria do bem-estar de todos os que procuram os seus serviços bem como do bom nome da Psicologia e todos os profissionais que a exercem.
À luz da Psicologia Clínica, este é um assunto ainda mais delicado na medida em que o Psicólogo se depara com dilemas éticos que podem não só envolver o cliente/paciente como terceiros. Num dilema ético o Psicólogo deve avaliar o que será melhor para o outro e deve procurar orientar a sua decisão pelos princípios éticos que sustentam a sua prática.
Ética na avaliação
A avaliação psicológica é, por definição, uma área específica e exclusiva da psicologia. Aqui o Psicólogo deve utilizar os mais diversos meios que tem à disposição para realizar uma avaliação mais rigorosa possível de forma a obter um diagnóstico fidedigno. Quanto ao processo de avaliação Debra Luepnitz (1998) sublinha a obrigação moral e ética da prática do Psicólogo em que este “precisa ter consciência do poder e da influência que ele/ela exerce sobre a vida do cliente, seja indivíduo, casal, família, grupo, instituição, empresa, comunidade. Uma dessas manifestações de poder é a forma como utilizamos o diagnóstico”.
Ética na intervenção
A relação com a criança, nomeadamente a aliança terapêutica é um dos principais fatores do sucesso da mesma. Aqui um dos principais aspetos a ter em conta é a confidencialidade e privacidade da criança. Mais uma vez, os Psicólogos Clínicos que trabalham com uma população pediátrica têm uma preocupação acrescida. É importante que os pais estejam a par de todo o processo terapêutico sem que, no entanto ponhamos em causa o principio da confidencialidade bem como a relação de confiança que temos com a criança. Na prática clínica é normal darmos um pequeno feedback aos pais de como correu a sessão bem como termos sessões conjuntas com os pais e criança ao longo do processo terapêutico. Para que isto aconteça de forma harmoniosa o que é contado aos pais é combinado com a criança na sessão. Assim, informamos e incluímos os pais no processo sem pôr em causa a relação de confiança entre o Psicólogo e a criança bem como o sucesso da intervenção.
Dra. Rita Lampreia
Psicóloga Clínica
Ética e Felicidade
Ao longo da história, a ética tem estado intimamente ligada ao conceito de felicidade. Embora possa não parecer uma ligação óbvia e direta, uma vez que a ética poderá ser pensada como o seguimento normas estabelecidas, imparciais que poderão mesmo ir contra o nosso desejo ou o nosso benefício. No entanto, em termos filosóficos, poderemos encontrar esta reflexão desde a filosofia clássica, por exemplo na ética de Aristóteles em que a felicidade é a finalidade da ética, ou posteriormente já no séc.XIX na ética utilitarista de Stuart Mills, em que a “boa ação”(ética) é vista como diretamente relacionada com a felicidade que é capaz de gerar e com o número de pessoas que consegue abranger.
Esta perspetiva poderá levar-nos também a uma reflexão diferente da nossa prática.
Quanta felicidade poderemos nós criar e quais as decisões e os caminhos que aumentarão essa mesma felicidade?
Nem sempre este trajeto é feito em linha reta, sendo muitas vezes necessário adiar essa recompensa, ou atravessar caminhos que poderão ser difíceis, mas capazes de no final ampliar essa sensação de felicidade. Essa procura não passará pela cedência aos impulsos ou ao facilitismo, mas pela capacitação através do controlo, do desenvolvimento do pensamento e da reflexão que levam a uma crescente autonomia e à possibilidade da vivência da cidadania plena. Cabe-nos a nós técnicos a colocação de objetivos tangíveis, mas exigentes, que possam permitir a sensação de capacidade.
Devemos então, guiar-nos por questões constantes:
“Estamos a criar crianças e famílias mais felizes?”
“Que momentos de felicidade, pude proporcionar a esta criança nesta sessão?”
A felicidade está diretamente ligada à aprendizagem, tornando a informação e a experiência marcante e significativa. Nas crianças com perturbações de desenvolvimento, isto é ainda mais importante, pois o dia-a-dia está muitas vezes repleto de desafios e de frustrações com os quais têm que lidar. Os horários ainda mais cheios e o pouco tempo deixado para lá das obrigações e tarefas a cumprir. As sessões deverão representar um momento, que apesar do esforço, significa bem-estar e felicidade, aumentando a motivação.
“Em que sentido esta intervenção que estabelecemos é útil para o futuro e para a felicidade desta criança e sua família?”
O que propomos deve ser exequível e não um ideal que não tendo em conta as características e o dia-a-dia da família, criará stress, frustração e sentimento de incapacidade em todos os intervenientes. As tarefas a realizar pela família, são um prolongamento da intervenção e essenciais para o sucesso da mesma, no entanto deverão ser sempre que possível experiências positivas, incluídas nas rotinas com formatos diferentes dos habituais TPC escolares, tornando-as mais significantes.
“O que significa felicidade para esta família?”
Muitas vezes os nossos ideais e conceitos são diferentes dos das famílias que seguimos. É nossa responsabilidade, esclarecer, transmitir o nosso conhecimento e mostrar hipóteses, capacitando a família para que possa fazer escolhas informadas. Escolhas essas que deverão ser respeitadas.
Nas nossas intervenções facilmente nos poderemos perder em objetivos específicos e esquecer o fim último de qualquer intervenção. Olhemos para o hoje mas também para o futuro que estaremos a criar para cada criança.
Sejamos éticos, criemos felicidade.
Dra. Bárbara Pereira
Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação
A Ética na clínica e sexologia com pessoas com perturbações neurodesenvolvimentais
As questões de ética nas intervenções clínicas relacionadas com a sexualidade de jovens com perturbações neurodesenvolvimentais[1] têm particularidades especiais sobre as quais vale a pena refletir, pois levam a que questionemos também as nossas atitudes sobre sexualidade, deficiências, relações interpessoais e sexuais, entre outras, e como estas criam barreiras (ou oportunidades) na vida relacional e sexual dos jovens.
A convenção das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiências (Nações Unidas, 2006) e a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010) defendem a vivência de uma sexualidade saudável, digna e em igualdade para todos, mas os obstáculos a que tal se realize existem e, por vezes, somos nós que os criamos e/ou mantemos enquanto técnicos de saúde, familiares ou educadores.
A esterilização definitiva em mulheres com perturbações neurodesenvolvimentais iniciou nos anos do pós 25 de Abril a discussão sobre a sexualidade de pessoas com défice cognitivo e o seu direito à autodeterminação na sua capacidade reprodutiva. As linhas de orientação terapêuticas atuais apontam claramente para opções contracetivas mais dignas e respeitosas da saúde, mas também dos desejos hipotéticos ou futuros de uma vida sexual ativa por exemplo com a contracepção injectável ou intradérmica, como implante, que permite uma utilização e eficácia menos dependente da regularidade da toma. A evolução dos métodos contraceptivos foi um importante contributo importante para que a abordagem da saúde sexual das pessoas com perturbações neurodesenvilmentais pudesse ser flexibilizada e ajustada ao estilo de vida e às opções de cada pessoa e de cada família.
A acessibilidade e diversidade da contraceção colocam na linha da frente a problemática do processo de tomada de decisão e da informação dos jovens com perturbações neurodesenvilmentais comparativamente aos jovens sem perturbações na sua saúde sexual e reprodutiva. A menor informação e as competências de decisão em saúde são menores nos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais, pelo que os técnicos de saúde confrontam-se com uma menor compreensão dos próprios sobre o que é a contracepção, para que serve e, em última análise, se desejam fazê-la. Na grande maioria das vezes são os pais e tutores legais que decidem e o envolvimento dos jovens fica aquém de uma tomada de decisão consciente e responsável.
O consentimento na saúde, para tratamentos ou outras intervenções clínicas, levanta a complexidade com que técnicos de saúde e tutores se confrontam, dadas as menores competências referidas, conhecimentos e autonomia dos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais sobre saúde e saúde sexual. Como bem aponta Sheryl Civjan, o equilíbrio entre as limitações das capacidades das pessoas com perturbações neurodesenvolvimentais, que não lhes permitem determinadas decisões conscientes, e a tomada de decisão dos seus cuidadores ainda assim respeitando a sua autonomia, não é de fácil resolução (Civjan, 1996). Uma educação para a sexualidade pode sem dúvida ultrapassar muitas limitações, de modo adaptado a cada pessoa, com as suas perturbações, mas também com as suas capacidades funcionais.
A confidencialidade e privacidade dos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais são também de difícil equilíbrio, sendo a sexualidade uma área particularmente sensível. Nos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais a dependência das famílias e dos tutores legais coloca os técnicos de saúde perante uma necessidade constante de análise ético-deontológica. A partilha de informação deve ser feita para garantir o benefício do jovem, mas apenas no que for estritamente necessário (Código Deontológico dos Psicólogos Portugueses, 2011). A necessidade de protecção dos riscos de natureza sexual, desde a exploração, a violência e os abusos sexuais nos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais é fundamental; mas apenas caso a caso e com ponderação se devem divulgar dados conhecidos em consulta aos tutores legais e tendo em conta os benefícios para os próprios. O respeito pela privacidade dos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais sofre ainda várias invasões consequentes da falta de autonomia dos cuidadores, confundindo as aprendizagens do que são comportamentos adequados em privado ou em público (Fedoroff & Richards, 2012). Por exemplo, um jovem com comportamentos masturbatórios desadequados em público, que podem mesmo ser considerados crime, pode não ter conhecimentos sobre o que é adequado fazer em público, em termos sexuais, nem ter oportunidade de se satisfazer sexualmente, num momento e locais socialmente adequados em com respeito pela sua privacidade. Como referem Federoff e Richards, o problema não é a masturbação em sim mesma, mas sim os seus conhecimentos, competências e autonomia na discriminação do que é (des)adequado em público e em privado (Fedoroff & Richards, 2012). Tais conhecimentos e competências podem ser transmitidos e adaptados a cada jovem, através de intervenções clínicas e de aconselhamento educativo em sexualidade.
Uma terceira questão ética prende-se com as atitudes negativas e não permissivas da sociedade e dos cuidadores face a à sexualidade destes jovens e adultos emergentes com perturbações neurodesenvolvimentais, que criam barreiras difíceis de ultrapassar para se alcançar os direitos a uma vivência saudável e prazerosa. Um exemplo de difícil conciliação entre os valores dos responsáveis legais e as necessidades dos jovens com desejos e impulsos sexuais são a possível interpretação por parte dos pais de comportamentos relacionais e sexuais dos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais como constituindo abusos sexuais, exploração ou manipulação entre pares. Um exemplo relevante neste contexto são as atracções, desejos ou mesmo relações com pares do mesmo sexo, quando os valores familiares ou dos principais cuidadores não encaram a homossexualidade como uma orientação sexual tão aceitável como a heterossexualidade. O papel do técnico de saúde deve promover a dignidade e a igualdade de qualquer orientação sexual, mas pode chocar com atitudes negativas de tutores legais, com expectativas de controlo e repressão que não são éticas nem clinicamente realistas.
Os direitos sexuais dos jovens com perturbações neurodesenvolvimentais podem e devem ser respeitados e protegidos a fim de proporcionar-lhes um bem-estar físico, emocional, psicológico e social. É importante não apenas abordar a sexualidade numa perspetiva reprodutiva ou de ausência de doença e/ou disfunção, mas incluir também uma abordagem positiva e respeitosa, de forma a possibilitar uma experiência mais agradável e segura, isenta de coerções, discriminações e violência. A ética e deontologia dos técnicos de saúde pode ser um motor de mudança de atitudes e valores, de inclusão e promoção da igualdade e dignidade de todos, com consciência da diversidade de cada pessoa, perturbação, família e contexto de vida.
[1] Referimo-nos a um grande grupo de perturbações, que podem incluir pessoas com trissomia 21, perturbações do espetro do autismo, perturbações do desenvolvimento intelectual, ou outros síndromes e dificuldades de aprendizagem, com diferentes níveis de funcionalidade e competências. Destacamos que mais importante que as caracterizações funcionais de cada perturbação em si mesma é o grau de défice cognitivo associado, variável em cada pessoa, que tem consequências na autonomia e compreensão do mundo com consequências na vivência da sexualidade nestas perturbações.
Por Dra. M.Joana Almeida
Psicologia e Sexologia Clínica
E Dra. Fanny Quartilho
Estagiária da Consulta de Sexualidade
Referências Bibliográficas
Civjan, S. R. (1996). Being Human: Issues in sexuality for people with developmental disabilities. Bioethics forum(Fall), 31-36.
Código Deontológico dos Psicólogos Portugueses, (2011).
Fedoroff, J. P., & Richards, D. (2012). Innovative Approaches to Ethical Issues in the Care of People with Intellectual Disabilities and Potentially Problematic Sexual Behaviours. Journal of Ethics in Mental Health, 7.
Organization., W. H. (2010). Measuring sexual health: Conceptual and practical considerations and related indicators.Geneva, Switzerland.
Assembleia das Nações Unidas. (2006). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Nova Iorque.
TER OU NÃO TER TRISSOMIA 21: EIS A QUESTÃO
“Caros amigos: a minha irmã Maria Teresa, podem crer, é a melhor pessoa do mundo!!! Estou mesmo convencida, como já alguém terá dito, de que ela é um anjo. Tal como acontece, de resto, com todos os meninos com trissomia 21
Exmos. Senhoras e Senhores: como gostava, também eu, para vir a ser melhor pessoa e médica, de ter um bocadinho de trissomia 21.”
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Em seguida serão apresentadas algumas questões éticas suscitadas pelas atitudes da sociedade para com as pessoas com perturbação do desenvolvimento intelectual ou um ensaio sobre a primazia do conceito de qualidade de vida ou da primazia do conceito de ser, numa perspectiva ontológica, independentemente das suas qualidades.
Este conjunto de reflexões é dedicado à Drª. Maria Ofélia Guerreiro, figura ímpar da pediatria nacional, que, embora com fundamentos distintos dos nossos, se tem batido, de uma forma inigualável, pela dignidade dos recém-nascidos com deficiência (Boisias, verão de 1996).
“Apesar dos enormes progressos verificados, sobretudo culturais, bem expressos pelo reconhecimento, entre outros, do direito à vida, do direito à educação, do direito ao lazer, do direito à sexualidade, do direito à formação profissional e ao emprego e do direito à colocação familiar das pessoas com perturbação do desenvolvimento intelectual, nada responde, ainda, de forma satisfatória, às mais importantes questões ético-jurídicas suscitadas pela patologia em causa. Para nós, o grande dilema ético, relativamente à atitude da sociedade para com as pessoas com perturbação do desenvolvimento intelectual, reside na opção pelo primado do conceito de qualidade de vida ou na opção pelo primado do conceito de vida, numa perspectiva ontológica, ou seja independentemente das suas qualidades e atributos ou, melhor, das suas aparências (a deficiência corresponderá, pois, a uma aparência ou a uma qualidade).
Sobre este tema, naturalmente controverso, iremos apresentar um conjunto de reflexões, susceptível de traduzir a nossa postura moral perante o mesmo.”
Miguel Palha*
* Pediatra
* Director do Centro de Desenvolvimento DIFERENÇAS
(Unidade autónoma da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21)
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Ética
A ética, entre outras visões, estuda a forma de comportamento nas sociedades, onde o bem-estar deve prevalecer (OLIVEIRA, 2003). O termo ético é proveniente do grego ethos, que tem como significado original caráter e que designa tanto a realidade como o saber relacionados com o comportamento responsável, em que entram em jogo a bondade ou a maldade humanas.
Sendo a ética um conjunto de princípios e valores que guiam e orientam as relações humanas, deverá o mesmo ter características universais, precisando de ser válidos para todas as pessoas e de forma perene.
Podemos compreender um pouco melhor este conceito, examinando certas condutas do nosso dia-a-dia, como, por exemplo, os comportamentos de alguns profissionais, como os médicos, os jornalistas, os advogados, os empresários, os políticos e até mesmo os professores ou os magistrados.
Vejamos o Artigo Seguinte:
“Hospital pede desculpa por ordem para não reanimar doente” Um hospital britânico admitiu que usou as dificuldades de aprendizagem de um paciente com Síndrome de Down como um dos argumentos para emitir uma ordem para não se fazer manobras de reanimação.
O britânico Andrew Waters, tinha 53 anos, gostava de grupos de dança, natação e teatro.
Andrew Waters deu entrada num hospital de Margate, em Kent, com um quadro de demência e a equipa médica que o acompanhou emitiu uma ordem para não avançar com a reanimação do paciente, caso este desenvolvesse problemas cardíacos ou respiratórios.
O facto de ter síndrome de Down e dificuldades de aprendizagem (designação britânica para a Perturbação do Desenvolvimento Intelectual) foram os motivos invocados pelos médicos para emitirem a ordem, em 2011.
Agora, o hospital veio pedir desculpas à família e admitiu ter violado os direitos humanos de Andrew. “Serão tomadas medidas para garantir que tal não volte a acontecer”, escreveu a East Kent Hospitals University NHS Foundation Trust em comunicado, divulgado na Imprensa britânica.
A família de Andrew, que morreu em maio daquele ano, sem que a ordem tivesse sido aplicada, nunca pediu uma indemnização: “Tudo o que sempre quisemos foi um pedido de desculpas”, disse o irmão, Michael Waters. “As pessoas com síndrome de Down têm o mesmo direito a viver do que tu e eu”, acrescentou.
O formulário que a equipa médica preencheu, justificando a decisão de não reanimar o paciente, foi encontrado dentro do saco com os pertences de Andrew. Nem a família nem os cuidadores foram consultados pelo hospital sobre a decisão.
“Não havia nenhum problema com a saúde do Andrew que interferisse com as manobras de reanimação”, explicou o irmão. “Ninguém tem o direito de tomar uma decisão destas de uma forma tão vergonhosa”, disse.
Este artigo, leva-nos a pensar naquilo que afinal é, ou não, considerado “normal”.
Que diferença faz ter uma perturbação do desenvolvimento? É condição de ter menos direito à vida? Aqueles que nascem em desvantagem não são membros da sociedade em que vivem? Será que, pelo fato de nascer cego, poderei correr o risco de não poder vir a ser reanimado, por exemplo?
Analisando estas atitudes, relembro Miguel Torga, Diário IV, 1948, pp.128, que já nessa altura dizia “A normalidade causou-me sempre um grande pavor, exatamente porque é destruidora.”
A ideia da normalidade, também a mim me desagrada. Não se é “normal” pelo simples facto de não se ser “igual”?
O que, infelizmente, ainda assistimos nos dias de hoje, é que muitos profissionais de saúde, nomeadamente alguns médicos, nada sabem acerca do desenvolvimento destas pessoas. Chegando mesmo, ao que se vê, a considerá-las não-pessoas de pleno direito.
O que será necessário fazer para que estas pessoas usufruam dos seus direitos?
No que respeita às pessoas com alguma perturbação no desenvolvimento, diria que estes direitos não estão adquiridos, mas sim emergentes.
É preciso assegurar que todos os nossos concidadãos, independentemente da sua situação e condição, tenham direito a não ser barrados, impedidos ou segregados face àquilo que existe para usufruto de todos.
Independentemente do potencial de cada criança, jovem ou adulto, e daquilo que serão capazes de alcançar, o importante será munir os profissionais de um código de ética universal. O que observamos, e não são assim tão poucas vezes, é que esse código nem sempre constitui a base das suas atitudes.
Assistimos, atualmente, a juízos ou a julgamentos eticamente condenáveis no que se refere a decisões de adoção de crianças com trissomia 21 ou com outra patologia grave ou quando as famílias decidem prosseguir com gravidezes em que foi feito o diagnóstico pré-natal de alguma doença significativa do feto, considerando-as desprovidas de bom senso e alertando-as que estão a tomar decisões destruidoras e devastadoras, pois essas crianças dificilmente serão capazes de alcançar patamares convencionais de desenvolvimento pessoal.
Já agora, o que é que cada um de nós está a fazer para a promoção de uma sociedade mais humanizada, onde a diferença seja um atributo comum e, já agora, por que não dizê-lo, desejável?
Deixo-vos a pensar nisto …
Por Dra. Susana Martins
Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação
Em defesa da diversidade – a história de Emily Accardi
A Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 que celebrou o seu vigésimo quinto aniversário, tem-se batido ao longo destes anos, pelo respeito pela diversidade e pelo respeito e aceitação da diferença. É por este desiderato, pela responsabilidade de todos nós, que temos defendido como nenhuma outra Instituição, a inclusão e a participação de todas as crianças, jovens e adultos com Perturbações do Desenvolvimento, nomeadamente, a Trissomia 21 (mais conhecida como Sindrome de Down) na sociedade civil.
A historia da Emily, aconteceu no Verão, num parque aquático, em Portugal, quando foi impedida de participar numa das experiências propostas, “Dolphin Emotions”.
Uma das colaboradoras do parque, olhou para a cara da menina e concluiu que ela se enquadrava nos casos referidos no Termo de Responsabilidade disponibilizado por este – “por razões de segurança, não podem participar em nenhumas das experiências … pessoas com deficiências físicas severas ou mentais, como por exemplo autismo ou com comportamentos autistas”. Em resumo, uma menina com 14 anos, portadora de Trissomia 21, boa nadadora, aluna do ensino regular, irlandesa e de férias com a sua familia em Portugal, foi discriminada porque alguém arbitrariamente o decidiu.
Torna-se para nós inaceitável e intolerável, que no nosso país possam acontecer situações de discriminação, baseadas em preconceitos e estigmas sociais, sem nenhuma base científica, médica ou outra, apenas porque uma criança tem um fenótipo diferente (uma face característica de portador de Trissomia 21).
Neste caso, a entrada seria concerteza vedada ao Dr. Pablo Pineda, porque sendo formado em Direito e portador de Trissomia 21, terá com certeza uma perturbação mental que o impedirá de se deleitar com a alegria dos golfinhos…
Seria então sensato, manterem-se estas restrições arbitrárias, que todos nós nos fizessemos acompanhar de um cartão com o valor do nosso Quociente de Inteligência e uma declaração de uma junta médica sobre a ausência de Perturbação Mental que coloque em perigo “humanos e não-humanos”.
Peço a vossa atenção para um problema silencioso, discriminatório e que atenta aos valores fundamentais dos membros da sociedade civil. Independentemente da nossa cara e do seu formato e das nossas competências todos temos o direito de ser respeitados e não foi o que aconteceu neste caso . O nosso dever enquanto Instituição é defender os Portadores de Trissomia 21 em qualquer acontecimento ou situação que se nos apresente como um atentado à ética e ao espírito da inclusão.
Por Dra. Luísa Cotrim
Psicóloga Educacional
Querem um conselho: sejam éticamente corretos!
O termo Ética deriva do grego ethos (caráter, modo de ser de uma pessoa). Ética é um conjunto de valores morais e princípios que orientam a nossa conduta numa sociedade. A Ética serve para que haja um equilíbrio e um bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Por outras palavras, distingue o certo do errado, o justo do injusto, o bem e o mal. Ser ético é ser correto, proceder bem, sem nunca prejudicar os outros.
Num sentido mais prático podemos compreender um pouco melhor esse conceito observando certas condutas do nosso dia-a-dia, quando nos referimos por exemplo, ao comportamento de alguns profissionais tais como um médico, jornalista, advogado, empresário, um político, um terapeuta e até mesmo um professor.
Quando pensamos em Ética Profissional, e em especial em profissões ligadas à Educação Especial, é fundamental sermos dotados de bons conhecimentos técnicos e de um talento “natural” para lidar com inúmeras situações difíceis. Mas não basta estarmos em constante aperfeiçoamento para conquistarmos credibilidade profissional, é preciso assumirmos uma postura Ética. Através dela, ganhamos confiança e respeito pelas famílias que acompanhamos, pelos diferentes profissionais com quem nos cruzamos e pelos nossos colegas de trabalho.
Sermos éticamente corretos permite-nos crescer como pessoas, podemos mesmo dizer que nos permite ”dormir de consciência tranquila”. Ser éticamente corretos proporciona-nos ainda sentir prazer pelo exercício da nossa profissão.
Na área de estudo da Ética, todos concordam que há valores éticos indispensáveis e insubstituíveis. Na minha opinião, existem qualidades fundamentais de um profissional eticamente correto, dos quais irei destacar apenas algumas:
A HONESTIDADE: a palavra tem origem no latim honos, que remete para dignidade e honra. No exercício da nossa profissão é fundamental sermos corretos, justos, falar sempre a verdade, não omitir, não dissimular e ser fiel às regras morais existentes. “Honestidade é o primeiro capítulo da sabedoria (Thomas Jefferson)”
O SIGILO: respeitar os segredos das pessoas com necessidades educativas especiais, das suas famílias e dos outros profissionais, é uma qualidade obrigatória na nossa profissão.
A CORAGEM: Precisamos dela para tomar algumas decisões importantes . Além de ser bastante útil para nos ajudar a reagir às críticas, também nos ajuda a enfrentar a verdade.
A HUMILDADE é talvez uma das qualidades que mais valorizo. Devemos dar o melhor de nós sem nos sentirmos melhores do que os outros, devemos ter consciência das nossas qualidades mas também reconhecer os nossos defeitos. Um bom profissional precisa ter humildade suficiente para admitir que não é o dono da verdade, para ouvir o que os outros têm a dizer, para aceitar sugestões e reconhecer que o sucesso individual é resultado do trabalho de uma equipa.
Ser OTIMISTA para acreditar que possuimos a força necessária para alcançar os objetivos a que nos propomos e não defraudar expectativas. Acreditar que vamos superar as dificuldades e os obstáculos que vão surgindo. Enfrentar o futuro com energia e confiança.
A RESPONSABILIDADE: estarmos conscientes dos nossos deveres e obrigações. Saber o que fazer, como e quando o fazer. Ter responsabilidade no cumprimento dos prazos e programas delineados, na resposta às necessidades da criança, na assiduidade e na pontualidade.
Devemos ainda ter FLEXIBILIDADE na aplicação de estratégias e metodologias, flexibilidade para aceitar a realidade sem criar barreiras e estar dispostos a mudar quando as circunstâncias assim o exigirem. Flexibilidade ainda para articular e aceitar outros pontos de vista dos profissionais (técnicos, professores,…) que lidam com a criança.
Se pensarmos na dinâmica de um Centro de Desenvolvimento Infantil, depressa percebemos a importancia da Ética. Atitudes impensadas e eticamente incorretas podem gerar grandes prejuízos, como destruir a reputação e imagem de um centro ou de um profissional. Um Centro de Desenvolvimento só poderá ser verdadeiramente “Ético” se contar com o trabalho de profissionais eticamente corretos; afinal são as decisões e atitudes de cada um que constroem a imagem de um Centro.
É nossa obrigação controlar e orientar os nossos desejos, impulsos, sentimentos e devemos ter a capacidade para decidir, de forma Ética, o melhor caminho entre as várias alternativas possíveis;
A Ética é um princípio de vida, de carácter cultural, que deve ser aplicada tanto nas relações pessoais como nas relações profissionais. Agir éticamente será sempre uma decisão pessoal.
Nunca se ouviu tanto falar de falta de Ética como nos dias de hoje. Os meios de comunicação como a televisão e a internet, divulgam comportamentos anti-éticos a uma velocidade impressionante.
Por último, e para refletirem sobre este assunto, deixo uma história que me impressionou profundamente. Recordo-me de ter lido há algum tempo um interessante relato, publicado no facebook, de uma situação evidenciando dois lados antagónicos de comportamento.
Um episódio ocorrido num hospital, onde dera entrada uma criança em estado grave e se aguardava a chegada de um cirurgião para tentar salvar a vida dessa criança.
O pai, desesperado, reagiu mal à informação que lhe havia sido transmitida de que o médico já estaria a caminho, impaciente pela demora na chegada, vagueando com nervosismo e criticando a falta de responsabilidade do clínico, que tardava em chegar.
Finalmente surge o médico e a primeira reação do pai foi intempestiva, condenando a sua demora, chamando-o de irresponsável, por tanta demora, numa situação em que era urgente salvar a vida de seu filho.
O médico continuou o seu passo acelerado e foi sempre dizendo que viera assim que recebeu o pedido, o mais rápido que pudera e tudo faria para que a sua intervenção fosse bem sucedida.
Decorrido o tempo de intervenção, o médico cruza-se apressadamente com o pai da criança dizendo-lhe apenas para agradecer a Deus a vida do seu filho, adiantando que, caso pretendesse quaisquer informações, deveria contactar a enfermeira.
Sem poder agradecer, dirige-se à enfermeira que lhe justifica a razão da saída apressada do médico, informando que na véspera um filho do doutor tinha falecido, vítima de acidente. Quando foi chamado estava presente na cerimónia fúnebre e para lá regressou logo que deixou de ser necessária a sua presença no hospital.
Não haverá adjetivos para qualificar a ética e o sentido de responsabilidade daquele médico e, por outro lado, a dificuldade em avaliar e compreender a diferente reação destes dois personagens, num choque em que a ética profissional se sobrepõe a todos os valores, particularmente à fraqueza comportamental, quando confrontada com situações de desespero…
Dra. Raquel Barateiro
Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação
Ser Diferente…
Longe vão os tempos em que os cidadãos portadores de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual eram escondidos da sociedade, pelos próprios familiares, decerto com o intuito (ilusório) de os proteger. Temiam a discriminação.
As mentalidades mudaram. No entanto, hoje em dia, ainda é possível depararmo-nos com situações de flagrante desrespeito pelos direitos destas pessoas. Exemplo disso é a situação que de seguida descrevo.
No verão passado fui, como é hábito, tomar o pequeno-almoço a um Café do bairro onde moro. Dos três empregados, o mais simpático é indubitavelmente, o João, um jovem com Trissomia 21.
Mal entrei, causou-me estranheza a longa fila de pessoas que esperavam para fazer o pré-pagamento. Na caixa encontrava-se o João. Os clientes (àquela hora, quase sempre os mesmos) esperavam pacientemente a sua vez. Juntei-me à fila e, logo a seguir, chegaram dois jovens, na casa dos vinte e cinco, trinta anos, que não reconheci.
A fila não diminuía, a impaciência dos clientes crescia e… a confusão instalou-se.
De repente, ouço, atrás de mim, um dos jovens exclamar: “ É o que dá porem um deficiente na caixa!” (sic). Dirigiu-se ao balcão e, em voz bem alta, pediu para falar com o responsável do Café a quem disse, agressivamente, que não era admissível “pôr na caixa, um deficiente mental”(sic).
O responsável do Café ouviu, com calma, o enfurecido cliente e, quando este terminou, disse-lhe pausadamente: “Tomara o senhor ser tão eficiente como qualquer dos meus empregados.” (sic). O jovem abriu a boca para ripostar, mas o responsável do Café impediu-o e acrescentou, em voz ainda mais alta, que o problema se devia a uma avaria na máquina. E continuou. Falou na valorização das capacidades das pessoas diferentes, no desrespeito dos seus direitos, na ofensa. Fê-lo emocionado e essa emoção estendeu-se aos clientes habituais que enchiam, naquele momento, o Café, e que apreciavam tanto o esforço diário do João, quanto a sua boa disposição.
Saí confortada por saber que, enquanto técnicos, o nosso esforço tem sido útil, e que a luta pela discriminação positiva vai ganhando cada vez mais aliados na sociedade civil.
Dra. Susana Machado Jorge
Psicóloga Educacional