Perguntas e Respostas
- O meu filho com trissomia 21 tem dois meses de idade. O pediatra disse-me que era cedo para se intervir. É verdade?
Não: a intervenção deve ser o mais precoce possível, idealmente a partir do momento em que se sabe que o feto ou o bebé tem trissomia 21. Com as neurociências, sabe-se que quanto mais precoce for a intervenção melhores serão os resultados, por se minimizar, entre muitas outras variáveis, o fenómeno da auto-monda neuronal (empobrecimento decorrente da não utilização de estruturas e funções neuronais). Assim, deve iniciar, logo que possível, uma adequada intervenção.
- O meu filho já reprovou duas vezes e é muito desatento, para além de irrequieto. Consultei um Pediatra do Neurodesenvolvimento que sugeriu a administração de Ritalina®? O que acha?
É impossível referir-me em concreto ao caso do seu filho. Mas, em abstracto, apesar da enorme variabilidade relativa ao posicionamento epistemológico das diversas escolas de neurodesenvolvimento, haverá, de acordo com as directrizes propostas pelas instituições onde trabalho e estudo, quatro razões para se ponderar a administração de metilfenidato (vulgo Ritalina®): 1: Défice de Atenção refractário a uma adequada intervenção psico-pedagógica, num quadro de marcado insucesso escolar; 2: Impulsividade excessiva impossível de se controlar por meio de adequadas intervenções comportamentais e afins; 3: Hiperactividade excessiva no ambiente de sala de aula impossível de se controlar por meio de abordagens comportamentais e afins; 4: Estigmatização muito negativa do sujeito (geradora de sofrimento psicológico por parte do mesmo) protagonizada pelos diversos actores, isto é, educadores, professores, assistentes operacionais, colegas, pais, irmãos, avós e outros familiares, mesmo após uma adequada intervenção multi-modal e sistémica. Ora, o seu filho parece enquadrar-se no ponto 1 (Défice de Atenção refractário a uma adequada intervenção psico-pedagógica, num quadro de marcado insucesso escolar). Assim, em abstracto, poderá ser sensata a proposta de prescrição de metilfenidato por um período experimental.
- O meu filho é muito sociável e esperto; diria que é uma criança normal. Mas, à noite, para adormecer, abana a cabeça. Devo preocupar-me?
O seu filho parece apresentar uma estereotipia de nome “Jactatio Capitis”, geralmente sem grande relevância clínica (apesar de incomodativa para terceiros, designadamente para uma boa vida conjugal no caso de ser exibida por adultos). Se não há dificuldades na reciprocidade social, poderemos classificar esta estereotipia como uma forma simples de Perturbação de Movimentos Estereotipados. Se houver nítidas dificuldades na interacção social, poderemos evocar o diagnóstico de Perturbação do Espectro do autismo.
- O meu filho com Perturbação do Espectro do Autismo faz birras excessivas e intoleráveis; sugeriram-me a administração de Risperidona. O que acha?
A Risperidona é um fármaco muito pesado da “família” dos neurolépticos. É, realmente, muito efectiva na redução das birras, bem como na atenuação da agressividade. Como apresenta potenciais efeitos secundários (de forma muito mais significativa do que o metilfenidato), deverá ponderar-se muito bem a proposta da sua prescrição. Todavia, se a família está em claro sofrimento, e depois de se revelarem insuficientes todas as outras medidas de controlo da manifestação em causa, mormente abordagens comportamentais e afins, deverá propor-se a prescrição experimental de Risperidona em doses muito baixas e crescentes até à obtenção do efeito desejado.
- O meu filho, desde que faz Ritalina®, para além de ter melhorado de forma significativa a atenção e, consequentemente, o rendimento escolar, passou a tirar as peles à volta das unhas. Devo preocupar-me?
O que se passa é que o seu filho passou a exibir lesões de escoriação, situação que poderá ser espoletada ou agravar-se com a prescrição de metilfenidato. Há, pois, que ponderar as vantagens e as desvantagens da prescrição de metilfenitado. Em caso de dúvida, poderá tentar-se uma outra formulação de metilfenidato ou mesmo da atomoxetina, um fármaco quimicamente diferente do metilfenidato.
- O meu filho, de oito meses de idade, é portador de trissomia 21. O geneticista que eu consultei em Espanha disse-me que ele poderá vir a falar (sempre mal e de forma ininteligível), mas nunca conseguirá ler ou ter um desempenho minimamente funcional na área da matemática. Vários pais disseram-me que estas afirmações não são verdadeiras. Qual a sua opinião?
Mercê da introdução de novas metodologias de intervenção, verificadas, sobretudo, nas últimas duas décadas, 80% das crianças com trissomia 21 poderão vir a aprender a ler, de forma funcional, até aos oito anos de idade. Quanto à matemática, devido à abstracção que a mesma exige, os resultados são menos favoráveis, embora não decepcionantes. Em consequência de um maior cuidado e atenção na intervenção nesta área, algumas crianças com trissomia 21 conseguem adquirir desempenhos assinaláveis em matéria de matemática funcional, expressos, designadamente, pela capacidade de realização das quatro operações básicas.
- O meu filho de 6 anos de idade não diz uma única palavra, não interage com os meninos e está sempre a rodar objectos. Não consegue fazer “puzzles” simples e parece não perceber nada do que se lhe diz. Consultei um pediatra que, mal o viu, disse que ele apresentava uma Perturbação do Espectro do Autismo. Qual a sua opinião?
Aparentemente, será verdade em parte. Com efeito a pobre interacção com os pares, associada a comportamentos repetitivos, é muito evocativa do diagnóstico de Perturbação de Espectro do Autismo. Todavia, este diagnóstico é insuficiente, já que o seu filho não fala. Quando uma criança tem uma linguagem nula, pobre ou não funcional, excluídos os défices sensoriais (surdez, por exemplo) e as perturbações neurológicas (a espasticidade, por exemplo), poderemos estar perante uma de duas situações neurodesenvolvimentais: Perturbação da Linguagem (a cognição não-verbal deverá ser absolutamente convencional) ou Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (PDI), vulgo atraso ou deficiência mental (cognição verbal e não-verbal afectadas). Relativamente ao seu filho, uma vez que parece haver dificuldades na realização de puzzles simples, poderemos estar perante um caso de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (diagnóstico mais importante e primeiro) em co-morbilidade com uma Perturbação do Espectro do Autismo.
- O meu filho de quatro anos de idade é muito irrequieto, birrento e desatento, para além de falar pior do que os meninos da mesma idade. O Pediatra recomendou que ele tomasse café com leite ao pequeno-almoço. Acha que devo dar?
Em linguagem simples e não científica, a cafeína actua como um psico-estimulante, aumentando o tempo de atenção e reduzindo, paradoxalmente, a irrequietude e a impulsividade (é, de certa forma, um análogo químico do metilfenidato, vulgo Ritalina®). Nas doses correntes (uma “bica” tem cerca de 80 a 100 mg), um único café expresso não produz efeitos milagrosos, mas pode ser suficiente, para, em muitos casos, melhorar um pouco a situação. Todavia, como o seu filho apresenta, aparentemente, uma Perturbação da Linguagem associada (co-morbilidade muito frequente), se esta situação não ficar resolvida antes dos cinco anos de idade, ele será um sério candidato à proposta de administração de metilfenidato, já que poderá, mais tarde, apresentar dificuldades significativas na aquisição das competências académicas.
- O meu filho tem, de certeza, uma inteligência absolutamente normal, mas é muito desengonçado e tem uma enorme falta de habilidade manual. Também é muito trapalhão a falar, embora as frases sejam muito completas e complexas. Qual a sua opinião?
Trata-se, aparentemente, de uma Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação Motora, basicamente expressa por um nítido desajeitamento motor numa ou em todas as três áreas da Motricidade Humana: Motricidade Grosseira (andar, correr, saltar, nadar, …); Motricidade Fina, específica da espécie humana e decorrente da capacidade de oponência do polegar ao indicador; e Motricidade Oro-Facial, também ela específica da espécie humana, responsável pela colocação dos órgãos fonadores na posição certa para a complexa emissão dos sons da fala. Deve consultar um Pediatra do Neurodesenvolvimento.
- O médico disse-me que o meu filho tem duas perturbações em simultâneo: Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA). Esta associação de diagnósticos faz sentido?
Os diagnósticos de PEA e de PHDA em co-morbilidade, isto é de uma forma simples, ocorrendo em simultâneo no mesmo sujeito, faz todo o sentido. PEA significa, basicamente, que o sujeito tem nítidas dificuldades na interacção social, sobretudo com pares (por exemplo, desinteresse em se relacionar e interagir com os colegas), associadas a comportamentos repetitivos e estereotipados (por exemplo, balancear-se ou rodar objectos). A PHDA corresponde, basicamente, à identificação no sujeito de três manifestações com expressão variável: Défice de Atenção; Irrequietude (ou Hiperactividade); e Impulsividade. Como será fácil de se depreender, as manifestações de PEA não são sobreponíveis às manifestações da PHDA, pelo que, quando ambas estiverem presentes no mesmo sujeito, se deverá formular o diagnóstico, em co-morbilidade, destas duas síndromes neurodesenvolvimentais.